domingo, 29 de abril de 2007

Tempestade

Imaginem um barco à vela… Mar calmo e sereno… Eu comando esse barco. Quatro amigos seguem comigo nesta viagem calma.

De repente avizinho ao longe uma tempestade… nuvens escuras carregadas, ventos fortes e mar picado… Apercebo-me que a minha pequena embarcação não se vai aguentar… Ainda berrei para a pessoa que estava ao meu lado para ter cuidado…

Somos atingidos pela força e esplendor de toda a tempestade. A embarcação vira-se e cinco pessoas caem à água…

A água está fria, a corrente é forte, o vento e a chuva intensos. Tenho dificuldades em respirar, em me manter à tona. Tenho frio… tenho medo de perder os meus amigos… sinto-me perdido.

Demoro um pouco a voltar a mim, a encontrar os amigos perdidos no meio do oceano… mas por fim lá me consigo orientar. E que vejo eu? Dois dos elementos encontram-se calmamente a boiar junto à embarcação, muito serenos e calmos. Olham para mim à espera apenas que eu levante a mão caso necessite para me virem ajudar.

O 3º elemento encontra-se a poucos metros de mim debatendo-se nas águas para não se afundar. Nado até ela. Estico-lhe a mão, peço que se agarre a mim e que tenha calma. Mas no meio da euforia ela afasta-se, tem medo, repele-me, berra comigo e evita-me. Estou cansado… digo-lhe que estou cansado, que tenha calma, que não se afaste… Berro-lhe que não se afaste, que estou sem forças… e ela repele-me, bate-me, quer que a salve, quer ser salva mas repele-me, e eu estou cansado… estico-lhe a mão, mas ela escapa-me por entre os dedos e estou cansado…

Procuro o 4º elemento. O 4º elemento está longe… Nada fortemente para longe, em sentido contrário da embarcação. Não tenho forças para o chamar… falta-me o ar… Não tenho forças para nadar até ele… tenho frio… Deixo-o ir e ele vai, vai para longe sem hipótese de regresso.

Por breves segundos paro… naqueles momentos da vida em que parece que temos o poder de carregar no pause… paro e olho à minha volta. E o que vejo? Vejo dois dos meus amigos calmos e serenos próximos da embarcação prontos a me ajudarem caso lhes pedisse. Em que se apercebendo do meu pânico, da minha desorientação, se mantiveram calados, respeitando todo o meu espaço como sempre gosto que aconteça, mas mostrando que estão ali prontos para o que for preciso.

O 3º elemento esbracejando e batendo-me, berrando que quer ser salva, mas incapaz de se acalmar e de perceber que o seu comportamento só me está a dificultar a vida, que assim mal serei capaz de me salvar a mim… Que talvez devesse ser ela a salvar-me e não o contrário…

O 4º elemento longe, sem qualquer hipótese de regresso. Fora do alcance da minha voz e dos meus gestos, totalmente perdido de mim e para mim.

Continuo em modo pause… e apercebo-me de vários detalhes neste cenário. Verifico que a minha inconsciência age de modo a tentar salvar o possível… Quando surgiu a tempestade o meu primeiro acto foi avisar o 3º elemento de modo a que este ainda se conseguisse salvar. Mas verifico que esse elemento, em plena tempestade, não se consegue salvar; não o consigo salvar. Verifico que os 2 elementos junto à embarcação, embora não tendo sido avisados da tempestade, aperceberam-se da mesma já dentro de água, mas mantiveram a sua calma e a sua prontidão em ajudar, embora tal ainda não tenha sido requisitado. Acho que inconscientemente sabia que isto ia acontecer e como tal não berrei para elas, berrei para quem gostava de salvar e que não estava pronta para a tempestade… tentei avisar, mas não resultou.

O 4º elemento já vai longe, muito longe. Vendo bem, acho que ele já tinha saltado da embarcação mesmo antes de se prever a tempestade… mas infelizmente já me apercebi tarde de mais…

Por vezes queremos salvar tudo em nosso redor… mas numa tempestade, quando a mesma é muito forte, há coisas que simplesmente não se conseguem salvar, ou simplesmente não querem ser salvas… Tentamos o nosso melhor, mas numa tempestade ficamos facilmente cansados e sem forças para salvar tudo e acabamos por canalizar as nossas forças para nos mantermos à superfície e respirar.

Numa tempestade acabamos por perder certas coisas a que damos valor, mas também ganhamos muitas certezas. Nesta tempestade perdi pessoas que dava muito valor, mas fiquei com certezas reforçadas daquilo que já tinha como certo.

A tempestade continua, mas posso dizer que…

“É quando estou mais fraco que fico mais forte.”

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